Tive um encontro com a morte.
É louco como alguns eventos mudam
a nossa perspectiva de vida num piscar de olhos. Hoje, na famosa sexta feira,
onde todo mundo só quer chegar no trabalho rápido para ir embora o mais
cedo possível para poder "sextar", eu estava no ônibus e, de repente,
ouvi gritos no fundo. E como todo carioca, pensei, é assalto.
O Ônibus então
parou e abriu a porta para que os passageiros trocassem de condução. E em meio
a reclamações e comentários como, "Imbecil, não sabe se segurar no ônibus...",
"parece que nunca andou de ônibus na vida, agora vai atrasar todo mundo...",
eu passei andando e fui ao final do ônibus para ver o que era. E, para o meu
azar, não era um assalto, quem me dera tivesse sido um assalto!! Olhei para o chão
e vi sangue, MUITO sangue! Era um senhor de 77 anos que dormiu e, numa curva,
foi lançado para o outro lado do ônibus e abriu a cabeça de uma forma que eu
nunca vi na minha vida. Logo me aproximei dele e comecei a prestar o socorro HOLLYWOOD,
que aprendi em filmes.
Eu estanquei o sangramento com uma camisa e o coloquei
sentado no banco. Fiquei conversando com ele para que ele ficasse acordado. E
em meio ao sangue, fotos e preenchimento de formulários eu pedi pra Célia, um
anjo em forma de mulher, para ligar para a ambulância pois só tínhamos eu, o
seu Antonio, ela e uns 4 funcionários que não podiam fazer muita coisa devida a
regulamentação do BRT e da terminal alvorada e um guarda de transito, que olhou
o sangue e disse que ia passar mal se ficasse vendo, e foi embora. O Samu
estava indisponível. Bombeiros, negaram socorro, não era permitida a entrada no
terminal. Depois de muita discussão fiquei com o Antônio no ônibus. A Célia
estava lá fora, desesperada, tentando achar alguma solução. E foi aí que aconteceu.
Em meio a delírios, o seu Antonio deu um suspiro e soltou todo o ar que lhe
restava.
E ali estava eu e ela, frente a frente, a morte... ela tem olhos
cinzentos, sem cor, é sufocante, silenciosa e intensa. Nunca vi nada parecido.
Comecei a orar e declarar vida de Jesus sobre o Antônio e, ao mesmo tempo, a
bater no vidro e dizer que ele ia morrer se ninguém fizesse nada. E, coloco na
conta de Deus, vi ele respirando, era muito fraco e muito demorada, mas era
alguma coisa, graças a Deus!
O motorista entrou correndo no ônibus
com mais 2 funcionários, da companhia de ônibus, em direção ao hospital,
quebrando o protocolo da empresa. Obs.: Quando cogitei isso, um dos funcionários
me disse que o motorista perderia o emprego caso tomasse essa atitude. Chegando
lá, os funcionários e a Célia correram para o hospital para pedir uma maca.
Nesse tempo, muitas pessoas passavam e olhavam com cara de nojo, repito, de
nojo! Só uma pessoa largou tudo o que tinha em mãos para ajudar. Um camelô, um
vendedor de rua, uma pessoa que precisava muito trabalhar muito mais que os
outros para ter dinheiro, e ele largou as mercadorias dele no chão e subiu no BRT
para me ajudar. A maca chegou e eu carreguei o seu Antonio até a saída do ônibus,
e ainda desacordado ele entrou no hospital e recebeu todo o atendimento
necessário.
Eu não estou contando essa história
para ser herói, para denegrir a imagem de alguma empresa e muito menos para
expor pessoas. Estou aqui para fazer você pensar. Pensar em qual personagem da história
você é? Lucas? Célia? Passageiro do ônibus? Funcionários do ônibus?
Pessoas que passavam na rua? O guarda de transito? E agora, o mais importante,
quem é o seu Antônio? Sua família que não te vê em casa porque você só pensa em
dinheiro ou em outras coisas? Sua família que você deixa em casa para curtir a
vida com uma mulher que vai te sugar e te largar quando você tiver velho? Sua
saúde que não está sendo bem cuidada pois você não abre não de passar 4 horas
extras no trabalho para agradar seu chefinho e ganhar aquela promoção que nunca
chega e não consegue tirar 1 hora para se cuidar? Seus sonhos que você não faz
nada porque não consegue acreditar neles por serem grandes demais?
Quem você tem deixado sangrar até
morrer?
Você tem uma vida, uma chance de
viver, uma chance de dar o seu melhor para o mundo e ser alguém marcante para
as pessoas que realmente importam. E o Antonio está bem, a neta dele entrou em
contato e ele foi liberado pelos médicos hoje e já está em casa!
É morte... não foi dessa vez!