21/02/2021

O escravo que orava

  Uma vez, um americano dono de escravos, ao comprar mais um, perguntou ao vendedor: 

     “Diga-me honestamente, quais são os defeitos dele?” 

     O vendedor respondeu: “Não tem nenhum defeito, que eu saiba, exceto um — ele ora.”

     “Ah!”, exclamou o comprador, “isso não me agrada, mas sei de algo que o curará logo desse mal”.

     Então, na noite seguinte, Cuffey (assim se chamava o escravo) foi surpreendido na plantação pelo seu novo amo enquanto orava pedindo pelo seu novo dono, pela sua esposa e pela sua família. 

     O homem escutou a oração e no momento não disse nada. Mas, na manhã seguinte chamou Cuffey e disse-lhe: “Não quero discutir contigo, homem, mas não aceitarei orações na minha propriedade. Portanto, abandona essa prática.” 

     “Meu amo,” respondeu o escravo, “não posso deixar de orar. Eu tenho que orar sempre.” 

     “Se insistes em orar, vou ensinar-te a não fazê-lo.”

     “Meu amo, não devo parar.”

     “Bem, então dar-te-ei vinte e cinco açoites por dia, até que deixes de fazê-lo.” 

     “Meu amo, ainda que me açoites cinquenta vezes, tenho que orar.” 

     “Pois, por causa de toda insolência com que respondes ao teu amo, receberás os açoites de imediato.” 

     Então, amarrando-o, açoitou-o vinte vezes e perguntou-lhe se iria orar de novo. 

     “Sim, meu amo, temos que orar sempre, não podemos deixar de orar.” 

     O amo fitou-o assombrado. Não podia entender como o pobre homem poderia continuar a orar, quando o ato não parecia fazer-lhe nenhum bem e só lhe trazia perseguição. 

     O amo contou à sua esposa o ocorrido.

     Ela disse-lhe: “Porque não permites que o pobre homem ore? Ele cumpre muito bem o seu trabalho. Não nos interessa o tema da oração, mas não há nada de mal em deixá-lo orar, sobretudo se continua a realizar bem o seu trabalho.” 

     “Mas não me agrada,” respondeu o amo.

     “Fiquei tremendamente espantado com a reação dele. Se tivesses visto como ele me olhava …” 

     “Estava com raiva?” , perguntou-lhe ela.

     “Não, isso não me incomodaria. Mas depois de tê-lo açoitado, olhou-me com lágrimas nos olhos como se tivesse mais pena de mim do que dele mesmo.” 

     Nessa mesma noite o amo não conseguiu dormir. Dava voltas na cama de um lado a outro. Lembrou-se dos seus pecados. Lembrou-se que havia perseguido a um santo de Deus. Levantando-se da sua cama, disse à esposa: podes orar por mim?” “Nunca orei na minha vida,” respondeu ela, “não posso orar por ti.” “Estou perdido,” disse ele, “se alguém não orar por mim. Eu não posso orar por mim mesmo.” “Não conheço ninguém na plantação que saiba orar, exceto Cuffey,” disse a esposa. 

     Fizeram soar a campainha e trouxeram-lhe o escravo. 

     Tomando a sua mão, o amo perguntou: “Cuffey, podes orar por mim?” 

     “Meu amo,” respondeu o escravo, “tenho orado pelo senhor desde que me açoitou e tenho a intenção de continuar a orar sempre pelo senhor.”

     Cuffey pôs-se de joelhos e derramou a sua alma em lágrimas e tanto a esposa como o marido converteram-se. 

     Este crente negro não poderia conseguir isto sem fé. Sem fé, não teria sustentado a sua decisão, e teria exclamado: “meu amo, neste momento deixo de orar. Odeio os açoites do homem branco.” Mas por causa da perseverança da sua fé, o Senhor honrou-o e deu-lhe a alma do seu amo em recompensa.

- C. H. Spurgeon

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