14/12/2016

D. Tampa


Eu tenho medo. Medo de perder você. Medo de viver com medo. De ser a outra, de me esquecer dos meus gostos me lembrando dos seus. Medo de acreditar quando deveria desconfiar. Medo de desconfiar quando deveria acreditar. Medo de seguir e, ainda sim, medo de ficar.
É esse medo que me arrasta. Um mar que me afasta de mim mesma na margem e me atrai para as inúmeras possibilidades em meio à tormenta.
E você? Onde está seu medo? Dizem que as pessoas sem medo vivem melhor. Mas o que restaria de nós se não fosse o medo para nos impedir, na insanidade, de abraçar a morte? Restaria apenas o orgulho, sorrindo a vitória como Coringa.
Seu orgulho bobo reflete meus olhos implorando para que nunca me deixe aqui. Esse seu orgulho que logo se transformará em egoísmo.
Você sabe o que acontece com o egoísmo. É um sentimento que de alguma forma me lembra cigarro. De fumaça tão espessa e cinzenta que logo se mescla ao ar e o deixa sozinho. Você vai inflar seus pulmões e logo não conseguirá mais fazê-lo sair. Será completamente como ele: cinzento, sozinho e, ainda pior, vazio.
Bem conheço uma pessoa vazia quando vejo uma. As pessoas vazias vagam por aí enchendo-se de qualquer coisa, alienados. Sugando outras pessoas na ânsia de se preencher. Trocam todos os sabores pelo amargo, todos os cheiros pelo que lhes parece doce, horas de sono por noitadas, seu lar por aventuras itinerantes, um único amor por muitas bocas.
Já peguei diversos psicólogos tentando explicar estes “desvios comportamentais”. Alguns dizem que é “curiosidade”, outros que é “instinto”. Chamo de vazio. São potes enormes de nada vagando pelo mundo.
Para estes enormes potes de nada (como também é com as panelas) existem tampas grandes e pequenas perdidas por aí. Quando alguma, distraída, acha que se encaixa muito bem no “pote de nada”, pumba! O enorme pote vazio começa a se encher. Enche-se de novo com o orgulho, egoísmo e agora com as lágrimas da “dona Tampa”.
Acontece que, por vezes, o pote vai ficando tão grande que pende a tampa. Ela, coitada, não consegue mais se soltar e fica lá até que alguém seja firme o suficiente para salvá-la. Mais firme do que ela conseguiu ser até agora.
Não, a culpa não é do pote. É sua sina. Ser vazio na vida. A dona Tampa é que tem que ficar esperta. Lamentar-se, pensar que nunca encontrará alguém melhor, afirmar para si mesma que depende de panelas e potes é que é loucura.
Moral da história: Frigideira independente não precisa de tampa e escolhe se quiser.


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tom caet